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Orçado em menos de R$ 1 milhão e demandando um “trabalho arqueológico” na busca por imagens, o longa Mussum, um filme do Cacildis, coproduzido por Canal Brasil e Globo Filmes, consumiu quatro anos de trabalho e trouxe desafio de uma linguagem irônica, com abordagens sérias, como a do racismo, mas num nível de diversão. Arriscar, fugindo do “formato confortável” de entrevistas e imagens de arquivo levou à adoção de referências como a de Ilha das flores (1989) e de um episódio de Atlanta.

O documentário Mussum, Um Filme do Cacildis, está em cartaz​​ em Brasília: o filme vai passar sempre às 19h, no Cinemark do shopping Pier 21, até o próximo dia 19. O longa conta a história do músico e comediante Antônio Carlos Bernardes, além de explorar histórias mais pessoais do artista, como sua vida familiar.

O longa é narrado por Lázaro Ramos e tem trilha sonora original do músico Pretinho da Serrinha. Mussum iniciou sua carreira como vocalista do grupo Os Originais do Samba, passando por atuações na TV e depois no cinema como humorista. Bernardes se consagrou com seu personagem de Os Trapalhões, o Mussum. O grupo revolucionou a forma de fazer humor na teledramaturgia brasileira.

​​ “Acho que todo o artista almeja este status de permanência”, comenta a diretora de cinema Susanna Lira, ao falar de Mussum, morto há 25 anos, e que “continua este ser que até hoje faz piada com nossa cara”. À frente do documentário Mussum, um filme do cacildis (em cartaz), a cineasta não segreda que, tendo crescido como espectadora de Os Trapalhões, na tevê, e nas estreias de janeiro e julho, nos cinemas, sempre teve um preferido: “Gostava muito mais do Mussum, por ele traz uma questão regional. Eu morava no subúrbio do Rio de Janeiro e aquele personagem me parecia muito mais familiar. Quanto à longevidade, até hoje, sempre que acontece alguma coisa, politicamente, aparece alguém fazendo referência ao estilo dele nos comentários”.

​​ “É muito difícil fazer um documentário de pessoa que já morreu — todas as entrevistas já foram feitas. Além disso, o público que consome o personagem do Mussum, hoje, está acostumado com outra linguagem. Com relação ao público, sou militante do documentário, e insisto para que o filme seja visto nas salas de cinema. É uma luta muito difícil, mas trouxemos o projeto para uma rede de cinemas mais populares”, reforça a diretora.

Afirmação na música

Anos depois de reconhecido pela participação em musicais e nas chanchadas nacionais, foi o astro Grande Otelo quem atiçou o temperamento de Antônio Carlos Bernardes, ao chamá-lo de Mussum, em referência ao peixe escuro muçum. À época, Antônio, “exímio músico” (como pontua a cineasta Susanna Lira), já integrava o conjunto Os Originais do Samba. “A grande paixão dele era a música. Lá, nasceu o personagem feito pelo Antônio Carlos; dentro do samba, veio a maneira como se comunicava e dançava — viria a ter tudo a ver com o humorista. Os Originais eram altamente sofisticados no samba. Eu descobri, fazendo o filme, a relevância internacional deles”, conta a documentarista”.

Imagens, inacessíveis dado o preço para integrarem o longa Mussum, um filme do cacildes de redes francesas e alemãs foram grandes surpresas para a diretora. Da Alemanha, ela pinçou uma cena do grupo Os Originais do Samba no Corcovado, em puro freestyle. “Eles tiveram turnê pela​​ Europa, regeram a Marília Pêra, cantaram com Elza Soares e com Jair Rodrigues — eram a nata da MPB! Foram musicalmente arrojados e diferentes”, pontua Susanna. Entre as letras muito sofisticadas entoadas por Mussum, Susanna destaca Assassinaram o camarão e Esperanças perdidas. Torneiro mecânico, vale lembrar, que, entre os feitos, Mussum carregou o de ter criado o próprio reco-reco, forjado no metal. “Ele ficou muito, muito triste de ter que abrir mão da música para continuar vivendo”, explica.

Explosão do bullying

A ponte popular que unia público ao humor de Os Trapalhões está registrada no longa. “O grupo tinha em conta um acordo de bullying feito entre eles. Vinha tudo nas brincadeiras quanto à orientação sexual do outro, ao tamanho da orelha, ao fato de vir do Nordeste. Hoje, com a consciência humana, o humor evoluiu muito. Há bastante elementos capazes de ser elaborados e fazerem pessoas rirem”, observa Lira. Em suposição, a cineasta acredita que, nos dias de hoje, Mussum teria atualizado o discurso com relação às piadas racistas, respondendo a tudo com mais veemência. “Fora do programa, ele jamais permitiu: chegava até mesmo às vias de fato, se alguém refizesse, no cotidiano, as piadas do programa. Acho que o Mussum estaria mais empoderado, hoje”, diz.

Depois de tanto estudar o humorista, Susanna acredita que ele seria dos poucos “com estômago” para lidar “com a situação na qual vivemos”. “Ele teria um fígado resistente (risos). Acho que estaria afiado: ironizando o que estão fazendo com o povo brasileiro. Mussum tinha o poder de viver numa situação precária; levava a vida com muita ginga, tentando sobreviver”, comenta.​​ 

Morto, em 1994, diante de complicações cardíacas, Mussum trouxe o vínculo com o “mé” (a cachaça) como algo para “ser visto apenas no personagem”, nas palavras da diretora. Daí, descartar versões de que ele teria tido a morte ocasionada por cirrose. “Isso é mentiroso; se tivesse sido, não teríamos o menor problema de colocar isso no filme. A relação com a bebida é um mito construido em torno dele — é restrito ao​​ personagem. Ninguém viu Mussum bêbado: ele bebia socialmente”, defende a diretora.

Responsabilidade​​ 

Alcoolismo não combinaria com o estilo de vida de Antônio Carlos Bernanrdes, que morreu aos 53 anos. Empregado pela Aeronáutica, por oito anos, criou um estilo de vida muito disciplinado. “Ele manteve dois empregos, e era um pai presente com cinco filhos para sustentar. Quem chegasse, por exemplo, com cinco minutos de atraso num ensaio, tinha como resultado ele deixar de falar com essa pessoa”, pondera a cineasta.

Pai afetuoso, rigoroso e presente, como descrito pela diretora, o humorista ainda carrega méritos por ter alfabetizado a própria mãe, a empregada doméstica Malvina. E repassou para os filhos projetos de empreendedorismo de quem se aplica nos estudos. Augusto, o filho mais velho, se tornou advogado; Sandro se afirmou empresário, inclusive à frente de uma reconhecida marca de cerveja, enquanto Paula cursou pedagogia. Aos 25 anos, Mussunzinho, o mais novo, herdou o convívio das artes do pai, morto, quando ele tinha um ano de idade. “Mussunzinho é, dos filhos, o que traz a saudades do pai com quem não pôde conviver”, conclui Susanna Lira.

 

Assista o trailer oficial do filme no link:

https://www.youtube.com/watch?time_continue=7&v=WPM4_3zUdlo

 

*Com informações de​​ Metrópole e​​ ​​ Correio Braziliense

 

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