Na contramão das metas do Acordo de Paris, a concentração dos três principais gases de efeito estufa na atmosfera atingiu novos recordes em 2021. Os níveis de dióxido de carbono foram de 415,7 partes por milhão (ppm), de metano, 415,7 ppm, e de óxido nitroso, 334,5 ppb. Esses valores são, respectivamente, 149%, 262% e 124% maiores que os registros pré-industriais, ou seja, antes que as atividades humanas começassem a desequilibrar as emissões naturais dessas substâncias.
Os dados foram divulgados em um boletim da Organização Meteorológica Mundial (OMM), das Nações Unidas, às portas da Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP27), que acontecerá no Egito, entre 7 e 18 de novembro. Na véspera da abertura, a OMM divulgará o relatório sobre o estado do clima global, que mostrará como os gases de efeito estufa continuam a levar a Terra a extremos climáticos: 2015 a 2021 foram os sete anos mais quentes já registrados, e medições apontam que 2022 baterá novos recordes.
Desde que o Boletim de Gases de Efeito Estufa da OMM começou a ser publicado, há 40 anos, 2021 registrou a maior concentração de metano na atmosfera. Já o aumento nos níveis de dióxido de carbono (CO2) de 2020 a 2021 foi mais elevado que a taxa média de crescimento anual da última década. As medições das estações da rede Observatório Atmosférico Global do organismo da ONU mostram que esses níveis continuam a crescer em 2022, em todo o mundo.
“O aumento contínuo nas concentrações dos principais gases que retêm o calor, incluindo a aceleração recorde nos níveis de metano, mostra que estamos indo na direção errada”, disse, em nota, o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. Ele lembrou que, entre 1990 e 2021, o efeito de aquecimento global por gases de efeito estufa de longa duração aumentou quase 50%, com o CO2 respondendo por cerca de 80% dessa elevação. “Precisamos transformar os sistemas industriais, energéticos e de transporte e todo o nosso modo de vida. As mudanças necessárias são economicamente acessíveis e tecnicamente possíveis. O tempo está se esgotando”, disse Taalas.
Segundo o secretário-geral da OMM, há estratégias econômicas disponíveis para combater as emissões de metano, especialmente do setor de combustíveis fósseis. Como esse gás tem uma vida útil relativamente curta — menos de 10 anos —, seu impacto no clima é reversível. “Como prioridade máxima e mais urgente, temos que reduzir as emissões de dióxido de carbono, que são o principal motor das mudanças climáticas e das condições climáticas extremas associadas e afetarão o clima por milhares de anos por meio da perda de gelo polar, aquecimento dos oceanos e aumento do nível do mar.”
Desafios
Comentando os resultados do boletim, Euan Nisbet, professor de ciências da terra da Universidade de Londres, destacou que, embora as concentrações de CO2 perdurem mais, o aumento nos níveis metano não deve ser desprezado, até porque a ciência não consegue explicar, ainda, o motivo da elevação. “O aumento extremo e inesperado do metano atmosférico nos últimos dois anos é particularmente preocupante; não sabemos por que isso está acontecendo. Grande parte do crescimento pode vir de fontes biogênicas, como pântanos e agricultura, especialmente nos trópicos”, diz. “Se esse aumento está alimentando o aquecimento, atingir as metas climáticas será ainda mais difícil.”
Por outro lado, Nisbet destaca que, como o tempo de vida do metano na atmosfera é mais curto, ações para reduzir as emissões antropogênicas (causadas por atividades humanas) poderão ter um rápido impacto. “Há muito que a China e a Índia, os maiores emissores, podem fazer para ajudar. Embora não tenham aderido ao Compromisso Global do Metano, elas podem reduzir de forma barata as emissões de suas indústrias de carvão, reduzir as emissões de aterros sanitários e parar os incêndios de resíduos agrícolas que emitem metano e outras queimas de resíduos.” Países tropicais, como o Brasil, também podem ajudar: “Especialmente evitando incêndios e cobrindo aterros sanitários. Isso não apenas reduziria as emissões de metano de forma barata, mas também reduziria a poluição do ar generalizada por outros produtos químicos e partículas na fumaça”, aponta o especialista.
A OMM mede as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa — o que permanece na atmosfera depois que eles são absorvidos por sumidouros, como o oceano e a biosfera. Isso não é o mesmo que o lançamento dessas substâncias. O relatório sobre a lacuna das emissões — diferença entre onde o mundo deveria estar nesse quesito e onde provavelmente estará — sairá hoje. “Enquanto as emissões continuarem, a temperatura global continuará a subir. Dada a longa vida do CO2 , os aumentos de temperatura já observados persistirão por décadas, mesmo que as emissões sejam rapidamente reduzidas a zero líquido”, observou Taalas.
Debates inflamados
Os relatórios da OMM buscam inflamar os debates dos negociadores e tomadores de decisão durante as conferências climáticas. Embora em 2015 o mundo tenha concordado em limitar, até o fim do século, o aquecimento global a menos de 2ºC (preferencialmente a 1,5ºC), em comparação com os níveis pré-industriais, a temperatura global está, agora, mais de 1,1°C acima da média de 1850-1900. As medições anuais da OMM mostram que, no ritmo atual, esse número só tende a crescer.
Ponto Crítico
Dióxido de carbono (CO2)
O dióxido de carbono atmosférico atingiu 149% do nível pré-industrial em 2021, principalmente devido às emissões da combustão de combustíveis fósseis e da produção de cimento. As emissões globais se recuperaram desde os lockdowns relacionados à covid, em 2020. Do total de emissões de atividades humanas durante o período de 2011-2020, cerca de 48% se acumularam na atmosfera, 26%, no oceano e 29%, em terra.
Metano (CH4)
O metano atmosférico é o segundo maior contribuinte para as mudanças climáticas e consiste em uma mistura diversificada de fontes e sumidouros sobrepostos. Por isso, é difícil quantificar as emissões por tipo de fonte. Desde 2007, a concentração média global de metano na atmosfera vem aumentando em ritmo acelerado. Os aumentos anuais em 2020 e 2021 (15 e 18 ppb, respectivamente) são os maiores desde o início do registro sistemático, em 1983. As causas ainda estão sendo investigadas pela comunidade científica global.
Óxido nitroso (N2O)
O óxido nitroso é o terceiro gás de efeito estufa mais importante. É emitido para a atmosfera tanto de fontes naturais (aproximadamente 57%) quanto de antropogênicas (aproximadamente 43%), incluindo oceanos, solos, queima de biomassa, uso de fertilizantes e vários processos industriais. O aumento de 2020 para 2021 foi ligeiramente superior ao observado de 2019 a 2020 e superior à taxa média de crescimento anual dos últimos 10 anos. Fonte: Correio Braziliense
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