Se escapar da pandemia fosse uma competição, o Brasil estaria no penúltimo lugar da lista, na frente apenas dos Estados Unidos. O país é o segundo em número de mortes e de casos de covid-19. Além das vidas perdidas, a pandemia deixou marcas na educação. O Brasil vê pela frente um grande déficit educacional a ser compensado e a grande questão é: quando retomar as aulas? Pautada em melhorar o debate sobre o assunto, a consultoria Vozes da Educação desenvolveu um estudo que analisa exemplos de outras nações na reabertura das escolas.
“É importante a gente olhar para outros países porque a gente entendeu que o Brasil estava com um debate muito polarizado entre volta e não volta. E, na verdade, a gente não estava conseguindo enxergar outras possibilidades”, pontua Carolina Campos, fundadora da consultoria Vozes da Educação, responsável pela realização do estudo.
Segundo ela, o mundo mostra diversas configurações de retomada que vão além do modelo de uma volta total de alunos e professores. Um exemplo diferente é o do Uruguai, em que optou-se pelo retorno nas escolas rurais com o método da clusterização, em que turmas são fracionadas e reduz-se o contato entre a comunidade acadêmica. “Existem muito mais cores na paleta do que o preto e o branco”, ressalta.
Método do estudo
A consultoria analisou a situação escolar de 20 países: China, Israel, Canadá, Uruguai, Itália, Índia, Nigéria, Chile, Alemanha, Portugal, Singapura, Argentina, Estados Unidos, Dinamarca, Suécia, África do Sul, Bolívia, Peru, França e Nova Zelândia. As regiões foram escolhidas a dedo a partir de critérios geopolíticos, colocação no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) e situação pandêmica, como conta a fundadora Carolina Campos.
O estudo agrupou os países em quatro diferentes grupos: satisfatório, quando as escolas reabriram e não houve contaminação descontrolada entre alunos e professores; insatisfatório, quando foi necessária a reavaliação da abertura por contaminação; cedo para avaliar, quando as escolas abriram recentemente e não há dados suficientes para avaliação; e não se aplica, para quando as escolas permaneceram fechadas.
Os países se dispuseram nos grupos da seguinte forma:
- Satisfatório: Alemanha, China, Dinamarca, França, Nova Zelândia, Portugal e Singapura
- Insatisfatório: África do Sul e Israel
- Cedo para avaliar: Chile, Estados Unidos, Nigéria e Uruguai
- Não se aplica: Suécia, Bolívia, Itália, Canadá, Peru e Índia
O estudo apurou que os países que tiveram melhor desempenho na retomada compartilham algumas características. Entre elas estão:
- Reabertura faseada, quando a curva de casos estava estabilizada ou decrescente;
- Comunicação clara e transparente do governo sobre os próximos passos da abertura;
- Adoção de políticas específicas para profissionais pertencentes aos grupos de risco;
- Implementação de medidas sanitárias consistentes e alinhadas com as especificidades dos países e das escolas.
Conclusões
Um dos critérios apontados pela fundadora como necessários para uma retomada escolar satisfatória é a queda ou a estabilidade em nível baixo da curva de contágio. Carolina reforça que, além do distanciamento social, são essenciais medidas sanitárias, como limpeza rigorosa, revezamento de turnos e horários de saída e limitar o acesso à escola. “Para além de tudo isso, é muito importante que haja uma ótima comunicação e transparência do governo”, alerta.
Um ponto importante levado em consideração no estudo é a reabertura do comércio nos 20 países analisados. Ao comparar o dia de retorno do comércio com o das aulas, percebeu-se que, nos países com volta escolar satisfatória, a permissão do comércio abrir ocorreu junto ou somente depois da abertura das escolas.
Aplicação no Brasil
Carolina considera que não deve haver uma retomada uniforme em todo o país, já que as realidades são muito específicas em cada região. “A gente tem de olhar para cada município. Então, se o município não conseguiu formular o próprio protocolo (de retomada das aulas), é preciso que ele pegue o protocolo dos estados”, aconselha.
“Quando a gente fala das medidas sanitárias (nos outros países), as pessoas pensam que tinha testagem em massa, tinha um robô na porta da escola soltando álcool em gel, ou então luzes infravermelho. Não tinha nada disso. O que a gente identificou é que as medidas sanitárias não são complexas. Talvez haja, por vezes, uma complexidade logística na hora de implementar, mas não uma medida sanitária de outro mundo.”
Carolina ressalta que muitas escolas se preocupam com medidas sanitárias caras, como compra de termômetros, placas de acrílico e tapetes sanitários. Porém, ela lembra que boa parte dos países que retomaram as aulas satisfatoriamente não implementaram esse tipo de medida, houve, na verdade, foco no reforço da limpeza e do distanciamento social.
“Realmente é muito preocupante a gente viver em uma sociedade que prefere bares, shoppings e restaurantes abertos e escolas fechadas”, arremata a consultora.
Casos pelo mundo
Entre os exemplos apontados pelo estudo como satisfatório está a Alemanha. O país retomou as aulas somente quando a curva de contágio estava em queda. Porém, algumas escolas foram fechadas e alunos e professores colocados em quarentena pelo surgimento de casos de covid-19. Há um atenção especial ao monitoramento e ao controle de novos casos.
A África do Sul se encontra entre os casos apontados como insatisfatórios. O retorno de professores e alunos estava marcado para 1° de junho, porém foi adiado por oposição dos docentes. A categoria se opôs por entender que as diretrizes de profilaxia não eram praticáveis na realidade das escolas do país. A retomada foi autorizada posteriormente, mas só retornam os alunos que tiveram autorização dos pais.
“O número de casos no país se intensificou entre junho e julho, e mais de 773 escolas apresentaram casos de covid-19, com contaminação de mais de 1.000 professores e 500 estudantes. Com isso, o governo decretou recesso para as escolas entre 27 de julho e 24 de agosto”, relata o estudo.
Fonte: CB
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