Ameaçado internamente, cinema nacional emplaca cinco filmes em Cannes

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Com a sessão de gala de Bacurau, às 22h da última​​ quarta-feira (17h no Brasil), tem início a participação brasileira na 72ª edição do Festival de Cannes (14/5 a 25/5). O longa-metragem de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é um dos 21 filmes selecionados para competir pela Palma de Ouro, o mais prestigioso prêmio do mais importante festival de cinema do mundo.

Na mesma competitiva está O traidor (première na quinta, 23), do italiano Marco Bellocchio. Coprodução com o Brasil, o filme foi em parte rodado no Rio de Janeiro – sua coprotagonista é a atriz Maria Fernanda Cândido.

Há ainda três longas dirigidos por brasileiros em outros páreos: A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, na mostra Um Certo Olhar; Sem seu sangue, de Alice Furtado, na Quinzena dos Realizadores, e Indianara, documentário de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa, na mostra Acid.

Ao mesmo tempo em que a produção autoral nacional vem fazendo bonito no exterior, enfrenta uma grande crise internamente. Desde abril, a Agência Nacional do Cinema suspendeu repasses de verbas para séries e filmes, inclusive aquelas já em produção. A decisão veio na esteira de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), que reprovou a metodologia adotada pela agência para verificar a prestação de contas dos recursos investidos.

“É muito preocupante o que está acontecendo. O audiovisual brasileiro é uma indústria em formação. O trabalho que foi feito na última década já repercutiu. Começamos a criar um ecossistema com fornecedores, talentos, produtoras independentes. Cultura e cinema são essenciais para o pleno desenvolvimento de um país, isso já está comprovado. Temos que acompanhar todos os passos e buscar cada vez mais nos articular como indústria para termos uma voz nesse novo cenário político”, afirma o produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, de A vida invisível de Eurídice Gusmão.

Depois do protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff que marcou a première de Aquarius, em Cannes, em 2016, Kleber Mendonça Filho já afirmou mais de uma vez que a equipe de Bacurau não deverá fazer​​ nenhum ato de cunho político na sessão de gala. “O que acontece hoje com Bolsonaro tem uma ampla cobertura da imprensa internacional. Em maio de 2016, tínhamos a impressão de que a imprensa internacional não entendia realmente o que estava acontecendo no Brasil. Exibir em Cannes um filme foda sobre o Brasil vai ser nosso tipo de protesto”, afirmou o cineasta à agência France Presse.

INDÚSTRIA MILIONÁRIA Coprodutor de O traidor, Fabiano Gullane, da Gullane Filmes, é mais otimista. “O Brasil é hoje um dos cinco maiores de consumidores de audiovisual do mundo (aí incluída a produção de cinema, televisão e plataformas digitais), uma indústria milionária. Então, não faz sentido nenhum o Brasil não ser também protagonista na produção e na distribuição de conteúdo audiovisual. Vai haver muita discussão, mas tenho certeza de que todas as questões pelas quais a Ancine está passando serão superadas. Só para se ter uma ideia, em 2018 a TV paga exibiu quase 18% de conteúdo nacional. Ou seja, o público tem interesse nesse conteúdo, festeja sua identidade. Realmente não vejo este momento de um jeito catastrófico.”

Lançar um filme em um festival internacional, ainda mais em Cannes, já é uma vitória para qualquer tipo de produção. No caso de um diretor em início de carreira, muito mais. Sem seu sangue é o primeiro longa-metragem de Alice Furtado. Ela exibiu, em 2011, na mostra Cinéfondation, seção do Festival de Cannes dedicada a filmes de estudantes de cinema, o curta Duelo antes da noite. “Para um diretor ou diretora superjovem que está dando seus primeiros passos, é uma experiência muito forte. Eu não botava muita fé na ideia de ser cineasta até isso me acontecer”, afirma Alice.

Sem seu sangue é uma coprodução Brasil, Holanda e França. “Neste momento, a participação dos fundos estrangeiros talvez seja uma das vias possíveis de sustentação do cinema brasileiro independente. Espero, no entanto, que a gente não precise chegar a uma posição de dependência desse tipo de apoio, porque, na última década, mostramos que podemos, sim, produzir de forma consistente e até investir como produtores minoritários em filmes de outros países”, diz a diretora.

COPRODUÇÃO Além de A vida invisível de Eurídice Gusmão, Rodrigo Teixeira, que se tornou conhecido internacionalmente como um dos produtores do sucesso Me chame pelo seu nome, é coprodutor de dois longas de outros países: o norte-americano The lighthouse, de Robert Eggers, e Port authority, de Danielle Lessovitz, realização França/EUA. “Gosto de produzir no Brasil e gosto de produzir fora. São diferentes formas de financiamento, de retorno, de modelo de negócios. A coprodução internacional é boa em vários sentidos, porque faz o filme viajar, faz uma composição interessante de produção, tanto financeira, como artística e, sim, pode ser interessante em momentos como este (pelo qual a indústria cinematográfica brasileira passa)”, comenta Teixeira.

Para Fabiano Gullane, levar um filme a Cannes é um feito e tanto. Ter um longa na seleção principal do evento é outro degrau – o filme anterior da produtora que conseguiu o mesmo foi Carandiru (2003), de Hector Babenco. “Cinco, 6 mil filmes tentam entrar em competição. Estar entre os 21 da Palma de Ouro é o máximo, tanto do ponto de vista da imagem do país quanto do ponto de vista comercial”, diz ele. Vinte por cento de O traidor são ambientados no Brasil – alguns diálogos são em português. “A coprodução nos aproxima e nos conecta com o mercado internacional”, avalia.

Outro filme na disputa pela Palma de Ouro, Frankie, estrelado por Isabelle Huppert, do norte-americano Ira Sachs, tem o roteiro assinado pelo brasileiro Mauricio Zacharias. O presidente do júri deste ano é o mexicano Alejandro González Iñárritu.

 

• O BRASIL EM CANNES

Confira​​ a sinopse e os trailers dos filmes brasileiros no festival francês:

 

http://br.web.img2.acsta.net/r_1280_720/newsv7/19/05/16/02/50/0809004.jpg

 

» Bacurau (Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles)

Conta a história de uma pequena cidade do interior cuja tranquilidade se vê perturbada após a morte de uma de suas habitantes mais velhas, Carmelita, aos 94 anos. Sonia Braga e a mineira Barbara Colen, que atuaram em Aquarius, estão no elenco. O longa foi filmado no Sertão do Seridó, divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte. Compete pela Palma de Ouro.

Ver trailer:​​ https://www.youtube.com/watch?v=gNElTRseFzo

» O traidor (foto) (Marco Bellocchio)​​ 

Nos anos 1980, o mafioso Tommaso Buscetta foge para o Brasil, quando eclode na Itália uma guerra entre chefões da máfia. Preso pela polícia brasileira e extraditado para o seu país, Buscetta decide trair o voto de fidelidade que fez à Cosa Nostra. O longa é coproduzido pelo Brasil. Compete pela Palma de Ouro.

Ver trailer:​​ https://www.youtube.com/watch?time_continue=6&v=7nvYMRpKzak

» A vida invisível de Eurídice Gusmão (Karim Aïnouz)

Baseado no romance homônimo de Martha Batalha, o melodrama acompanha duas irmãs no Rio de Janeiro da segunda metade do século 20. Inseparáveis, Eurídice e Guida são forçadas pelo pai a viver distantes uma da outra. Disputa a mostra Um Certo Olhar.

Ver trailer:​​ http://www.adorocinema.com/filmes/filme-249383/trailer-19562091/

» Sem seu sangue (Alice Furtado)

Uma adolescente introspectiva se relaciona com um jovem colega hemofílico. A intensa convivência dos dois é interrompida por um acidente. Está na Quinzena dos Realizadores.

Ver trailer:​​ https://www.youtube.com/watch?v=QynjjkMHlUU

» Indianara (Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa)

O documentário acompanha a luta da ativista transexual Indianara Siqueira pela defesa de indivíduos LGBT. Integra a mostra Acid.

Ver trailer:​​ https://www.youtube.com/watch?v=pqr-hJ4kylI

Fonte: Portal Uai

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