A imagem de Nossa Senhora das Dores, que data do século 18 e pertence ao acervo tombado da Igreja Matriz de Pirenópolis, Nossa Senhora do Rosário, passou por modificações recentes como uma repintura e o estado de conservação é considerado precário pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN. As alterações na imagem da santa, estão no centro de uma grande polêmica que há uma semana tem movimentado a cidade. A Irmandade, guardiã do patrimônio sacro da Matriz da cidade, tem negado qualquer modificação. Entretanto, as mudanças foram comprovadas por uma perita do IPHAN na última terça-feira.
Chefe do Serviço de Gestão da Conservação de Bens Móveis e Integrados da Coordenação Geral de Conservação do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do IPHAN, a restauradora Virgynia Corradi Lopes da Silva também descobriu que outras imagens, não só da Nossa Senhora das Dores, sofreram alterações que comprometem a integridade delas e também se encontram em situação precária. Foram analisadas as imagens de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Morto. Chegou ao IPHAN também, denúncia de modificação da imagem de São Sebastião, mas o mesmo não foi identificado no cadastro de bens tomados do Instituto.
A mudança nos traços originais da imagem da santa, foi denunciada por moradores de Pirenópolis e noticiada na noite de domingo(06). Na quinta-feira(10), cerca de 40 denúncias chegaram à sede do IPHAN local. O alarme inicial foi dado por um membro da Imandade do Santíssimo Sacramento, Séfora de Pina, que alertou sobre a maquiagem feita por pessoas inadequadas. Apesar da polêmica, está marcada para hoje, sexta-feira(11) e para domingo(13), a presença da imagem em procissões dentro da programação da Semana Santa.
Sobre a imagem de Nossa Senhora das Dores, a perita informou que o estado de conservação é precário, “tanto em seu suporte quanto na camada pictória. Ela encontrou “danos significativos”, como rachadura na madeira entalhada, sinais de acidificação e umidade na base dos tecidos de linho. Foi constatada uma “repintura” que cobriu toda a pelicromia original. Isso, segundo Virgynia, compromete a leitura e estabilidade da imagem. Ainda de acordo com a restauradora, foram encontrados indícios de intervenções anteriores, “incompatíveis com os princípios de conservação”.
Virgynia diz que a repintura prejudicou a compreensão e apreciação estética e histórica da imagem e que a sobreposição de camada de tinta, “muitas vezes aplicada com materiais técnicas distintas das originais”, não apenas descaracteriza o bem tombado, “mas pode comprometer a estabilidade da folicromia subjacente ao criar tensões físicas ou químicas entre as camadas”. Para ela, as intervenções foram significativas e sem critérios. “Esses fatores evidenciam a necessidade de uma intervenção especializada e criteriosa para evitar o agravamento dos danos e possibilitar a recuperação dos valores históricos, materiais e simbólicos do bem”.
Também foram identificadas linhas de preenchimento com massa de aproximadamente um centímetro de argura, “possivelmente aplicadas para cobrir rachaduras na madeira”, a presença de pequenas gotas translúcidas representando lágrimas, o que não tinha no trabalho original. A vistoria identificou acréscimos visíveis na repintura, principalmente na área dos olhos, e a intervenção “manteve antigas perdas pontuais visíveis que não foram niveladas”. Por fim, encontrou-se um reforço no estofamento na área das pernas com tecido de aparência contemporânea.
Outras imagens
Em relação à imagem do Senhor Morto, a perita também encontrou a presença de “uma camada de pintura recobrindo integralmente as áreas de carnação, com destaque para as regiões que representam sangue ao redor das chagas” e “uma linha de depósito de massa rugosa”, com aproximadamente de um centímetro de largura aplicada sob a pintura. “Os tecidos de arcuticulação do ombro configuram uma intervenção posterior. A policromia apresentada apresenta aspectos semibrilhantes, sugerindo a possível aplicação de verniz de proteção”. Assim como no caso da imagem do Nossa Senhora das Dores, o estado de conservação foi considerado precário.
A imagem de Nossa Senhora do Rosário, uma escultura da primeira metade do século XVIII, em madeira, com o menino Jesus desnudo e um rosário, tem um agravante em relação a outras imagens vistoriadas, acúmulo de sujeira e sinais de deteriorização por causa da exposição prolongada pela luz intensa. “Observam-se sinais de intervenções no restauro anteriores, incluindo repintura em áreas de perda não niveladas nas regiões de carnação e planejamento”. A coroa na cabeça de Nossa Senhora teria passado por uma reconstituição sem que tivesse sido preservado o desenho original. Faltam alguns dedos nas mãos da escultura.
Ao contrário das outras imagens avaliadas, a da Nossa Senhora do Rosário não teve sinais de repintura, mas sim de deteriorização, com sinais de ressecamento, craquelamento e pontos de desprendimento. “Observam-se vestígios pontuais de intervenções anteriores, restritas e a repinturas localizadas em lacunas não niveladas. As áreas que possivelmente continham acabamento dourado, como as bordas do panejamento, encontram-se escurecidas, dificultando sua leitura original”, avaliou a perita. Também foi identificada “uma possível presença de uma camada de verniz de proteção”.
O documento com a verificação feita pela perita aponta também que algumas fotografias produzidas durante a visita técnica foram consideradas “sensíveis por membro da própria comunidade local” e, por isso, foram anexadas em um documento restrito, que não foi divulgado à imprensa e ao público, “resguardando o acesso à imagem de forma responsável e respeitosa”. Isso ocorreu “em razão da relevância simbólica e afetiva das imagens sacras”. “Essa medida visa preservar a indignidade dos bens e o sentimento de pertencimento da população, ao mesmo tempo em que garante os subsídios técnicos necessários”, escreveu Virgynia.
Em todos os casos, a restauradora identificou que, apesar das intervenções, sem a devida atenção às normas de preservação de bens tombados, há um “potencial de reversibilidade” e a possibilidade “de recuperação substancial de sua leitura iconográfica por meio de uma intervenção de restauro criteriosa. O IPHAN ainda não se manifestou sobre as medidas a serem tomadas. Anteriormente, o Instituto informou que só falaria após a conclusão do laudo. Fonte: O Popular.