Após tragédia em Brumadinho, Goiás institui força tarefa de monitoramento para mapear, vistoriar, orientar e adotar medidas preventivas para evitar incidentes. O Estado tem 137 barragens sendo 11 de grande porte.
Ficou definido no último sábado, o início imediato da fiscalização de todas as barragens no Estado. Já está sendo feito o monitoramento via satélite no Centro de Monitoramento e Fiscalização do Batalhão Ambiental. Serão identificadas as prioridades de fiscalização por área de risco e, logo em seguida, começam as vistorias nos locais. O trabalho de campo será realizado em conjunto, com a coordenação técnica dos fiscais da Secretaria e apoio do Batalhão Ambiental.
Barragens em Catalão e Crixás, perigo iminente
Seis das oito principais barragens de resíduos de atividades mineradoras existentes em Goiás possuem Dano Potencial Associado considerado alto pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Embora não apareçam entre as 16 mais inseguras do País, em recente relatório do órgão, os diques goianos têm classificações parecidas com a Barragem do Fundão, em Mariana que rompeu em 2015 e a de Brumadinho.
Parte do problema se dá pela avaliação do Dano Potencial Associado. Os critérios estabelecidos pela legislação federal (lei nº 12.344/10) apontam que, se a soma entre volume total do reservatório, existência de população a jusante, impacto ambiental e impacto sócio-econômico for igual ou superior a 13, será considerado alto. Justamente o caso da cava Norte-Sul da Prometálica Mineração Centro Oeste S.A., em Americano do Brasil; da barragem de rejeitos da Estação Companhia Goiana de Ouro, em Pilar de Goiás; da Mineração Serra Grande S.A., em Crixás; das barragens do Buraco e Nova, da Anglo American, e BR e BM, entre Catalão e Ouvidor, no Sudeste goiano.
O artigo 11º da lei diz que o órgão fiscalizador poderá determinar a elaboração de Plano de Ação Emergencial (PAE), “devendo exigi-lo sempre para a barragem classificada como de dano potencial associado alto”. No entanto, o DNMP exigiu apenas da barragem de Crixás, no Noroeste goiano, onde a Mineração Serra Grande extrai minério de ouro. A alegação é que as barragens goianas são consideradas pequenas e menos complexas, quando comparadas com a que rompeu em Minas Gerais.
As duas barragens de resíduos mineiras possuíam cerca de 21 milhões de toneladas de materiais arenosos e lamas, resultantes do beneficiamento do minério de ferro extraído da região, em um dique de 130 metros (m) de altura. Por aqui, a mais parecida se encontra justamente em Crixás com altura de 80 m, e com o município a pouco mais de 1,5 quilômetro (km) em linha reta jusante da barragem. Ou seja, a cidade fica rio abaixo do dique de contenção, o que significa que, em caso de acidente, seria rapidamente atingido. No entanto, o PAE da cidade ainda não está pronto (ver reportagem nesta página).
Classe C
A legislação determina ainda que a fiscalização seja feita tanto pelo DMNP, quanto pelos órgãos ambientais. Cada barragem deve ser classificada de acordo com o risco, de “A” a “E”, e deve ter um plano de revisão e inspeção com periodicidade determinada. Em Goiás, nove estão classificadas como Classe C, ou seja, com risco estrutural baixo e apenas uma com E, menor classificação de risco possível (veja quadro). Ainda assim, geram preocupações por parte de técnicos e ambientalistas por conta da precariedade dos órgãos de fiscalização e da pouca rigidez da legislação.
Uma analise ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Cidades, Infraestrutura e Assuntos Metropolitanos (Secima), diz que aos órgãos ambientais cabe a avaliação dos documentos apresentados pelas mineradoras; às empresas que exploram a terra cabe a produção das informações e relatórios. Com os documentos produzidos pelas mineradoras, o órgão ambiental faz a comparação e avaliação. “Segundo a legislação, não somos responsáveis pela verificação mais profunda. Verificamos se tudo está de acordo com o exigido”, diz o relatório.
Crixás
Considerada uma das mais delicadas de Goiás, a barragem de resíduos da Mineração Serra Grande S/A - instalada a cerca de 1,5 km da cidade de Crixás - ainda não possui um Plano de Ação Emergencial. Se possuísse, a mineradora precisaria instalar sirenes, sinais luminosos ou aviso direto à população por rádio, televisão e telefone. Seriam necessários também audiências públicas e o treinamento da população da cidade potencialmente afetada.
Não parece ser o caso de Crixás. A atendente Kelly Beatriz, de 21 anos, mora desde os 6 anos na cidade e nunca recebeu qualquer instrução para o caso de um acidente. “Todo mundo conhece a barragem, mesmo porque fica próxima à cidade, mas nunca fomos procurados”, diz. Nem mesmo após o acidente de Mariana (MG) houve qualquer aproximação entre a empresa e os habitantes.
Diretoria de Agricultura e Meio Ambiente da Agência de Desenvolvimento de Crixás, afirma que a legislação amarra a fiscalização. Ela diz que o município não tem autoridade para exigir qualquer coisa à mineradora. “O que sabemos é o que eles falam: que é totalmente seguro, que seguem todas as solicitações; no entanto, eu mesma não tenho conhecimento e nunca participei de plano de emergencial, nem mesmo uma situação de simulação”.
Fiscalização precária
Em Goiás, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) possui apenas dois técnicos capacitados para fazer as inspeções necessárias em todo o Estado. O último levantamento completo das barragens no território goiano ocorreu entre 2013 e 2014. Conforme explica o superintendente do órgão em Goiás, Dagoberto Pereira, o material humano e estrutural não é suficiente; além disso, não houve concurso público para suprir as aposentadorias. “Outro problema é que não possuímos os projetos das barragens em mãos. Temos que ir in loco para verificar tudo.”
Um dos responsáveis diretos pelas vistorias no Estado é o engenheiro de minas Estefano Lanza. Ele afirma que, embora haja dez barragens, metade delas necessita de atenção especial, com verificação periódica – a de Crixás, Alto Horizonte, Niquelândia, Catalão e Pilar de Goiás. Nem todas foram verificadas em 2015. A meta é completar o acompanhamento até 2016. Lanza, sozinho, é encarregado de fazer vistoria, coleta de dados e laudos de cada barragem visitada.
Ele afirma que, embora com precariedade, a fiscalização das barragens em Goiás é mais simples por suas características geométricas, por estarem em encostas ou vales em “U” e por não terem declividade alta. Além disso, geralmente estão fora das cidades.
“Resistência”
“Ainda assim, a vistoria completa demora quase dois anos. Estamos tentando criar uma espécie de biblioteca, com arquivo de cada uma das barragens, para facilitar o monitoramento, mas encontramos resistência por parte das mineradoras”, diz.
Catalão
A tragédia de Mariana (MG) lembrou um acidente de menor escala ocorrido em Catalão, no Sudeste de Goiás, em 2004. A represa sob responsabilidade então da Ultrafértil S/A se rompeu durante o carnaval daquele ano, deixando um rastro de lama e resíduos que acabou por afetar pelo menos três rios da região. O acidente atingiu pelo menos 7 quilômetros (km) da área rural do município, matando fauna e flora da região. O impacto pôde ser percebido em uma área total de 180 hectares.
O promotor responsável pelo caso, Roni Alvacir Vargas, afirma que o acidente não foi tão grave por conta do material que escorreu - magnetita - e da própria declividade do terreno. Ainda assim, foi preciso indenizar proprietários rurais próximos e fazer a compensação da flora perdida. Na ocasião, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) instaurou ação civil pública. Uma das ações solicitadas pelo órgão foi um projeto de reflorestamento das áreas de preservação permanente atingidas, incluindo as matas ciliares dos córregos Fundo, Gouveia e Garimpo, até o Rio São Marcos. A empresa teve de remover a lama das proximidades. Não houve vítimas fatais. A barragem acabou desativada.
Odor de barata
Em julho de 2015, o MP-GO abriu ação civil pública para evitar o lançamento de flúor na atmosfera no município de Catalão. O documento solicitava que as empresas Anglo American Fosfatos Brasil (Copebrás) e Vale Fertilizantes fossem impedidas de emitir fluoretos na atmosfera acima do limite de percepção olfativa. O alto índice deste elemento no ar produz odor semelhante a “cheiro de barata”. As empresas recorreram.
Pesquisador diz que áreas precisam ser monitoradas
O professor de Geociências da Universidade Federal de Goiás, Luis Cherem, avalia que, apesar da sensação de insegurança causada pela proximidade de uma barragem a uma área urbana, o risco pode permanecer baixo se todas as medidas de segurança forem adotadas. “Empreendedores e agentes outorgantes e fiscalizadores são responsáveis por isso.”
No caso de um acidente, como em Catalão e Mariana, é preciso monitoramento constante para de fato recuperar as caracteristicas ambientais originais. “Esse tipo de acidente pode afetar as características químicas dos solos, das águas e rios”.
Parceiro:
Tabelionato Pompeu de Pina